“Todos cabindas no MPLA que contrariaram os angolanos acabaram no cemitério”, diz comandante José Veras
Lisboa – Veterano da luta armada em Cabinda desde Outubro de 1977, José Luís Veras é um dos antigos comandantes da Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC) que melhor conhece os bastidores e actores deste conflito. Discreto e activo, José Luís Veras decidiu quebrar o silêncio e reagir às declarações do vice-governador de Cabinda, Miguel dos Santos Oliveira, que alegara que o problema de Cabinda é fundamentalmente social.
Fonte : e-Global
“Em relação ao pronunciamento do vice-governador de Cabinda, que disse que tem de se resolver a situação social em Cabinda, na minha opinião não é o caso. A situação de Cabinda é antes de mais um problema profundamente político e não social, tal como disse vice-governador. Sendo um problema político, necessita de uma solução política”, defendeu José Luís Veras que acredita que “resolvido o aspecto político que opõe os cabindas aos angolanos, a situação social encontrará solução. O problema em Cabinda é político, político e profundamente político”, insistiu.
A “miséria deste povo data de 11 de Novembro de 1975”, disse o veterano da luta armada em Cabinda, “se durante mais de 45 anos nada foi feito em Cabinda para o bem-estar das populações, não será hoje que algo será feito. As declarações do vice-governador são apenas mais uma diversão de Luanda. Angola vê em Cabinda o petróleo, que enriquece a classe governante do MPLA, e não o Povo de Cabinda dono desta riqueza”.
Para José Luís Veras os dirigentes angolanos, “a começar pelo seu Presidente que permanece num silêncio sepulcral, devem saber que é necessário enfrentar com seriedade este problema e não continuarem a tergiversar. Continuar a esquivar o problema ou o evitar, não é contribuir para a sua resolução, mas sim procurar o caos que poderá conduzir ao massacre de inocentes no momento em que os cabindas se radicalizarem”.
“Para distraírem mais ainda os cabindas, enviaram um antigo ministro cabinda como governador. Mas que poder tem o Marcos Alexandre Nhunga como governador? É uma simples marioneta que ali está. O poder está nas mãos dos angolanos que o acompanham. Aliás o Governador de Cabinda é o representante do poder neocolonial angolano”, disse.
“Quantos governadores cabindas que passaram por Cabinda resolveram alguma coisa? Nenhum!”, questionou e retorquiu José Luís Veras. “Primeiro foi o Comandante Pédalé, depois o Evaristo Domingos Kimba, todos falecidos. O Amaro Tati, após uma série de angolanos. O primeiro governador angolano, se não me engano, foi o Batalha de Angola.
Hoje o Nhunga é enviado para Cabinda, depois de Aldina da Lomba Catembo, uma cabo-verdiana que conseguiu ser a pior de todos que ocuparam o posto de governador de Cabinda”.
Sobre o Memorando de Entendimento, José Luís Veras considerou que “desde a sua assinatura nunca funcionou e não será hoje que irá funcionar. Houve uma vontade deliberada de Angola em o manter na gaveta, acomodando os seus signatários cabindas. Passados 14 anos, ninguém pode aceitar esse Memorando. O único ponto positivo, se assim posso considerar, é de nele Angola ter reconhecido a especificidade de Cabinda”, destacou.
“A partir desta especificidade, temos de ter a coragem de partir criando novas bases, tendo em conta todos os principais actores políticos de Cabinda e não contando apenas com um punhado de gente a mando do MPLA, evitamos assim a repetição dos erros do passado”, defendeu José Luís Veras.
“Mas porque é que desde a assinatura do Memorando em 2006 só agora ele abre a boca e fala? Enquanto estava acomodado manteve-se em silêncio.”
Fazendo referência ao General Maurício N’Zulo, presidente do Fórum Cabindês para o Diálogo (FCD), José Luís Veras disse que reconhece a sua coragem hoje. “Mas, porque é que desde a assinatura do Memorando em 2006 só agora ele abre a boca e fala? Enquanto estava acomodado manteve-se em silêncio”, criticou o antigo comandante.
“No lugar do General Maurício N’Zulo, como Chefe Adjunto do CEMG das FAA (Forças Armadas Angolanas), eu teria protestado e apresentado a minha demissão para manifestar a minha indignação contra a não-aplicação do dito Memorando, do qual o General Maurício N’Zulo foi um dos actores. Quero alertar o General Maurício N’Zulo para ter muito cuidado, porque todos os cabindas que no seio do MPLA levantaram a voz, contrariando os angolanos, acabaram no cemitério”, lançou José Luís Veras.
Como exemplos, o antigo comandante da FLEC, citou o caso de Nicolau Gomes Spencer que “foi assassinado pelo MPLA, devido à implementação do acordo assinado entre o MPLA e os cabindas para lutarem juntos na libertação dos dois territórios”. Assim como Fati Veneno, do Matembo no Belize, que “conheceu o mesmo destino no norte de Cabinda”. Paradoxalmente hoje, Nicolau Gomes Spencer e Fati Veneno, são “venerados pelo MPLA como heróis”.
Destacou também Roque Tchiendo, um “defensor da causa de Cabinda no seio do MPLA, que acabou na desgraça”. Roque Tchiendo e José Luís Veras tinham laços de parentesco maternos e ambos eram originários da aldeia de Chiela, a cinco quilómetros de Lândana. “A desgraça de Roque Tchiendo foi ter reunido em Lândana os anciãos cabindas e lhes ter falado sobre o acordo firmado com Agostinho Neto, para lutarmos juntos pela libertação de Cabinda e Angola, que estava patente no programa mínimo do MPLA apresentado aos comités de acção do MPLA, sendo que um dos seus primeiros coordenadores em Lândana, fui eu mesmo”, contou José Luís Veras.
“Tendo compreendido o perigo que Roque Tchiendo representava, e por ser um veterano da guerra de libertação nas fileiras do MPLA, Agostinho Neto tentou o transferir como Comissário Provincial no Sul de Angola, mas Roque Tchiendo recusou categoricamente o posto e disse que de Cabinda não sairia. Enviou uma carta a Agostinho Neto, depois de ter recolhido assinaturas de vários anciãos do Município de Cacongo, onde ele era o primeiro dirigente do MPLA. Sou uma testemunha desta situação, porque nessa ocasião eu ainda estava em Lândana”, disse José Luís Veras. “Depois desta carta Roque Tchiendo caiu em desgraça, apesar de ser um dos dirigentes com uma capacidade intelectual superior a muitos dirigentes do MPLA naquela altura”.
Para José Luís Veras o destino que foi reservado ao General Pedro Maria N’Tonha, mais conhecido por Pédalé, é outro exemplo. “Depois de ter começado a levantar a situação, junto do Bureau Político do MPLA e de José Eduardo dos Santos, de que já era tempo para se pôr em prática o que tinha sido assinado entre os cabindas e o malogrado Agostinho Neto, Pédalé acabou por morrer subitamente”. Também Francisco Xavier Lubota, Luís Ranque Franque e outros que decidiram fixar residência em Cabinda ou em Luanda “estão hoje no cemitério”.Problema de Cabinda pode ter uma solução se o MPLA estiver disposto e ter a vontade de o resolver.
Apesar do pessimismo o antigo comandante da FLEC, José Luís Veras, ainda acredita que o Problema de Cabinda pode ter uma solução se o MPLA estiver disposto e ter a vontade de o resolver.
“Uma perspectiva a considerar é a Comunidade Internacional assumir o seu papel e forçar Angola na busca de uma solução equitativa com os actores políticos de Cabinda, muitos deles reunidos no seio do ACC (Alto Conselho de Cabinda) que já definiu um programa abrangente para o futuro do território”, defendeu José Luís Veras. “Tendo também em conta a existência de outros actores que não integraram o ACC mas que o Alto Conselho apela a colaborarem para constituir-se um bloco compacto capaz de fazer face aos angolanos”.
O governo angolano tem de “encetar contactos exploratórios directos, ou via terceiros, para que seja definido tudo o que se deve negociar em prol do bem-estar de Cabinda. Um território com um povo espoliado e mantido na miséria desde a independência de Angola em 1975”.
“O Presidente Angolano deve ter a coragem de enfrentar o problema e procurar soluções. Evitando o problema hoje, evitará mais complicações no futuro. O policiamento e a repressão não funcionam e nunca irão funcionar. O arrastar do impasse, a militarização do território, a obstinação em não negociar, o silêncio perante a degradação do ambiente político, são ingredientes que podem resultar numa violenta explosão popular em Cabinda, tal como África tem assistido nos últimos anos”, alertou o antigo comandante da FLEC, José Luís Veras.