Esboçar ou simplesmente, reconstituir os traços históricos do território hoje designado Cabinda bem como os da sua gente e tudo aquilo que faz gente, da génese à data presente, é uma aventura deveras complexa, arriscada mas nobre.
Complexa pois, dum lado, o território de Cabinda nos seus actuais limites geográficos, é um todo donde se lhe extraiu a maior parte. Doutro lado, se é verdade que inicialmente esse território foi de facto negligenciado pela Coroa portuguesa, é de salientar que logo nos fins da primeira metade do século XVII, começam a aguçar os apetites e as rivalidades entre as potências expansionistas europeias da época e a ser objeto de cobiças da parte dessas mesmas potências. Dentre elas destacam-se : os Holandeses (Landassi), Portugueses (Mputulukezo), Franceses (Falansa) e Ingleses (Ngleze).
Se o contexto e a conjuntura mudaram ou evoluiram para outros centros de interesse, o estatuto de território cobiçado prevalece até hoje por motivos meramente económicos em detrimento da dignidade da pessoa humana. Se no passado o objectivo era o de controlar os portos de Malembo e de Cabinda para o tráfico e a indústria de escravos, hoje é a exploração do petróleo, do ouro, do fosfato, da madeira e não só, que constituem ou agulham esses apetites.
Arriscada na medida em que os desafios ligados aos múltiplos interesses naquele territόrio são tais que tudo torna-se possível : da multiplicidade de interpretações, de leituras, de construções à fabricações de teses tendeciosas e perniciosas sobre a histόria desse territόrio. Mas para nόs o maior debate não é à volta daquilo que os outros dizem de Cabinda, sua histόria, gentes e cultura mas daquilo que os cabindeses dizem deles prόprios. Este ângulo de abordagem da questão não sό nos evita permanecer no paternalismo infantil de que somos vítimas, mas também nos premunir contra P. Valéry que defende que « a histόria justifica tudo o que se quer » e contra o subjectivismo ingénuo e contra o etnocentrismo apático.
Enfim, Nobre pois detrás dessas coplexidades e riscos se escondem valores morais, éticas, culturais, politicas e intelectuais de um povo que sempre soube proteger, promover, respeitar e preservar nas suas memόrias colectiva e genética esses valores que constituem o verdadeiro patrimόnio também objecto de cobiça. Liberdade de escrever certo, mas também a responsabilidade em escrever. Se hoje atravessamos um període de crise, atribuamos à contradição uma certa fecondidade e do mal poderá vir o bem.
Depois desta breve nόtula introdutόria, avancemos em direcção ao que hoje se pode denominar « Territόrio de Cabinda ». Mas nesta primeira aparição não se vai « fundubular » isto é despacotear toda a riqueza. Proceder-se-à por temas escolhidos. Esta esta primeira apresentação será consagrada ao um breve e sucinto esboço do período pré- Tratados.
Os primeiros contactos entre os povos dos três Reinos e Portugal
Os primeiros contactos entre navigadores portugueses e os principados costeiros de Loango, Kakongo e Ngoyo que formam o atual territόri de Cabinda, remontam no século XV. Que ensinamemtos se pode tirar deste facto histόrico ? É certo que embora fazendo parte da grande familia etnolinguistica bakongo como aliás como os povos de Bakongo (RDC), de Bakouilou e Nyari (R. Congo Brazzaville e de Nyanga (R. Gabão), na altura da chegada dos portugueses esses três Reinos já usufruiam de uma autonomia politico-administrativa verdadeiras face ao Reino do Kongo e do seu Manikongo. O historiador africano do Burkina Faso, Joseph Ki-Zerbo (Histoire Générale de l’Afrique. D’hier à demain, 1978, Hatier, Paris, p. 330) afirma a este respeito : « Ao norte do estuário do Záire, quarto reinos pouco conhecidos (Anzique, Kakongo, Ngoio e Loango) parecem ter como primeiros dinastas, os filhos da legendária Ngonu e datar do mesmo período que o Kongo. » Um outro hstoriador, d’O. DAPPER na sua obra Description de L’Afrique, original de 1670, afirma o seguinte : « Depois do país dos Negros vem o vasto territόrio, nomeado ordinariamente a Baixa Etiόpia, em oposição à Abissia chamada Alta Etiόpia. Ele conta com vários povos, provincias e Reinos cujos principais são : Louango, Kakongo, Goycongo, Kongo, Angola, (…) ».
Para concluir, vamos reter que a existência dos três Reinos que estão na origem do atual territόrio de Cabinda não é uma mera invenção que dataria das vésperas de Berlin. Eles são de longe anteriores à chegada de Diogo Cão na foz do Rio Záire e emancipados do Reino do Kongo mesmo reconhecendo uma certa vassalagem, no início, do Manikongo. A sua independência do Reino Kongo e a soberania politico-administrativa reinante entre os três reinos, viria a justificar, no século XIX a assinatura dos Três Tratados com a Coroa Portuguesa.