Desde a liderança de Angola em 2017, João Lourenço construiu uma imagem de presidente relativamente aberto e moderado. Mas na província de Cabinda (norte), os separatistas acusam-no de continuar a política de repressão do seu antecessor José Eduardo dos Santos.

Activista de longa data pela causa de Cabinda Livre, Jeovanny Ventura não mede as palavras.

”O que o Estado angolano está a fazer-nos é a perseguição. As autoridades tratam-nos como terroristas”, disse. “E não melhorou com o João Lourenço. Tudo o que organizamos acaba sempre em detenção.”

Como em janeiro passado. Cerca de 70 apoiantes do Movimento pela Independência de Cabinda (MIC) são detidos enquanto preparavam uma manifestação para celebrar um tratado de 1885 que transformou a entidade cabinda num protectorado português.

Nascido da divisão colonial de África, Cabinda é um confete preso entre os dois Congos, que caíram sob a soberania de Angola após a sua independência em 1975.

Há mais de quarenta anos, a Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (Flec) lidera a guerrilha contra o poder central angolano, que mobilizou milhares de polícias e militares nos 7 mil km2 do território.

O último golpe dos separatistas data de 2010, quando metralharam um ônibus da seleção de futebol do Togo durante a Copa das Nações Africanas (CAN). O ataque deixou 2 mortos.

A instabilidade política não cessou desde então. A Amnistia Internacional e a Human Rights Watch (HRW) denunciam regularmente detenções arbitrárias e tortura.

Ao contrário de outras regiões de Angola onde se registaram progressos em termos de liberdade de expressão” desde a chegada ao poder de João Lourenço, a situação em Cabinda ”continua tensa”, nota Zenaida Machado, da HRW.

– Óleo –

Os ativistas não podem tirar proveito de seus direitos políticos porque as autoridades os vêem como uma ameaça”, acrescenta, ”não passa um mês sem uma detenção arbitrária, o direito de manifestação é uma miragem”.

A presença de importantes campos petrolíferos ao largo de Cabinda explica o interesse de Angola pela província mais setentrional. Fornece 60% do volume de ouro negro de Angola, o segundo maior produtor da África Subsaariana.

Mas seus 400.000 habitantes não viram muito da cor verde dos petrodólares.

O povo cabinda nunca beneficiou do seu petróleo”, denuncia o advogado pró-independência Arao Bula Tempo. ”A taxa de desemprego é de 88% e as únicas infraestruturas existentes datam da colonização. Angola não faz nada aqui”.

Assim que sai do aeroporto da capital Cabinda, o estado das estradas diz mais do que falar. Por falta de fluxo, eles são inundados com a menor tempestade. Na cidade, muitos bairros estão privados de energia elétrica, água encanada e saneamento.

Em novembro, o Sr. Lourenço presidiu a uma reunião descentralizada do Conselho de Ministros em Cabinda. ”Vou acompanhar pessoalmente todos os projectos de Cabinda para que, nos próximos anos, possa melhorar a situação”, prometeu.

Para ouvir seus habitantes, essas foram apenas belas palavras.

O governo promete-nos regularmente novas infra-estruturas, mas são apenas mentiras”, acusa Carlos Vemba, secretário-geral do MIC.

Mas a luta continua”, continua, ”tudo faremos para defender a nossa independência”.

Para o Sr. Vemba e seus ativistas, a “luta” passou pela caixa da prisão. Duas semanas para ele. Até três meses para cerca de quarenta outros, finalmente liberados sem a menor carga.

– ‘Aberto ao diálogo’ –

A situação política é catastrófica porque o governo angolano não quer falar connosco”, lamenta Alexandre Kwang N’sito, da Associação para o Desenvolvimento da Cultura e dos Direitos Humanos (ADCDH).

Diálogo com todos os partidos da oposição”, retruca o governador da província, Eugenio Laborinho.

A situação está calma e controlada”, continua. “Há um pouco de agitação social em torno do desemprego, mas isso é tudo. Todo mundo diz Flec, Flec, Flec, mas eu nunca o vi.

A Frente afirma regularmente matar soldados em emboscadas que as autoridades em Luanda procuram nunca confirmar, tornando quase impossível qualquer verificação.

Nos últimos anos, no entanto, os anúncios de vitória de Flec tornaram-se mais raros.

A nossa vontade de defender Cabinda da colonização angolana está intacta”, garante o porta-voz da Flec, Jean-Claude Nitza. ”Estamos abertos ao diálogo mas o governo de Luanda não quer negociar uma solução que o obrigue a reconhecer os direitos do povo cabinda”.

Como último recurso, o Flec acaba de pedir a mediação do Presidente da vizinha República Democrática do Congo, Félix Tshisekedi. A sua proposta ainda não obteve resposta, nem em Kinshasa nem em Luanda.

Fonte : VOAAFRIQUE

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